A
vida é dom precioso de Deus e altar da dignidade maior, a dignidade humana.
Mas, na arte de viver, acumula-se uma avalanche de acontecimentos, processos,
descasos e indiferenças que, assombrosamente, estão na contramão desse sublime
dom. Entre as lamentáveis situações estão os cenários degradantes da exclusão
social, frutos da mesquinhez, da falta de sentido autêntico de cidadania e dos
famigerados esquemas de corrupção. A lista de acontecimentos que ameaçam a vida
é enorme e demanda providências urgentes, redobrada atenção e ações mais
incidentes. É preciso proteger esse precioso dom de Deus em todas as suas
etapas, da fecundação ao declínio com a morte natural. Particularmente, merece
redobrada atenção de todos – e políticas públicas incidentes – um grave
problema: o suicídio. Falar sobre o tema é um tabu que precisa ser vencido,
para que cada pessoa possa colaborar com a saúde pública, em compromisso
irrestrito com a vida.
O primeiro passo é ter a coragem para falar sobre o assunto.
Isso é fundamental para disseminar estratégias de prevenção. A estatística
oficial apresenta a preocupante dimensão do problema. Diariamente, 32
brasileiros morrem vítimas de suicídio, número que supera o de óbitos causados
pela AIDS e por vários tipos de câncer. Para despertar a atenção de todos para
essa realidade, celebrou-se, no sábado, 10 de setembro, o Dia Mundial de
Prevenção ao Suicídio. Durante todo o mês, são intensificadas ações de combate
a esse mal silencioso, escondido por preconceito e vergonha, que impedem a
identificação do problema, a percepção de comportamentos depressivos em pessoas
próximas, sintomas que levam ao suicídio.
Fale,
argumente e reflita sobre o suicídio
Compartilhar o assunto no dia a dia – na família, nos ambientes
de trabalho, nos círculos religiosos, no mundo da educação, nos mais diversos
lugares – pode contribuir, decisivamente para salvar vidas, recuperar pessoas e
evitar que esse mal silencioso consolide-se como epidemia.
O suicídio é grave problema que atinge adultos, jovens,
inclusive adolescentes e crianças, deixando feridas incuráveis no coração de
famílias. Todos devem aprender sempre mais sobre os sintomas que indicam o
risco iminente desse mal para, quando necessário, poder intervir e ajudar a
salvar vidas, recuperá-las, reconduzindo pessoas para a saudável convivência
familiar e a adequada inserção social. Cada pessoa deve se sentir convocada a
contribuir com projetos que promovam o dom da vida. Segundo a Organização Mundial
da Saúde, de cada dez casos de suicídio, nove poderiam ser evitados se houvesse
adequada prática de prevenção.
Por isso, é preciso unir esforços. Aliar a coragem espiritual e
humana com profunda sensibilidade social para acabar com o tabu que inviabiliza
falar sobre o assunto. Vencer bloqueios nos diálogos em família, com amigos,
colegas de trabalho, nas relações que constituem a convivência social e
religiosa. Também é preciso lutar pela configuração de políticas públicas que
contribuam, de maneira decisiva, para prevenir o suicídio. Há um largo
horizonte de medidas e procedimentos a serem adotados para evitar esse grave
problema, o que inclui, desde investimentos para se conhecer melhor o cérebro,
seus complexos e indomináveis mecanismos de funcionamento, para se realizar as
necessárias intervenções farmacológicas, até o remédio indispensável e eficaz
da espiritualidade.
Ofereça
oração, carinho e diálogo
É grave desconsiderar um mal que pode atingir a todos. Não se
restringe a uma faixa etária específica, pois inclui crianças, adolescentes,
jovens e adultos – muitas vezes afogados num turbilhão de escolhas e
solicitações das quais não conseguem dar conta -, até idosos, enjaulados no
ostracismo da solidão. Atinge, também, pessoas das mais diversas condições
sociais. Essa consideração é comprovada pela estatística e mostra que são
necessárias providências urgentes para se promover a boa saúde mental. Isso
inclui construir condições sociais que não sejam peso e submetam pessoas a
situações de fragilidade extrema, levando-as ao desespero que as faz desistir
de viver. É hora de escuta atenciosa das associações e instituições
terapêuticas capazes de qualificar cada pessoa no enfrentamento desse monstro
destruidor – o suicídio. Também é urgente e prioritário trabalhar para oferecer
a cada pessoa recursos humanísticos e espirituais que contribuam para a
administração do dom da vida.
Assim, será possível promover o engajamento em programas e
projetos que tenham como missão promover esse dom, criando um vetor que se retroalimenta
e produz o sentido de viver. De modo especial, os campos da educação e da
cultura têm muito a contribuir nesse processo. A escola não pode se dedicar
exclusivamente à chamada “educação formal” e desconhecer o mundo real, muitas
vezes conturbado, da vida juvenil. Essa consideração vale também para Igrejas
que, para além de proselitismos, “emocionalismos” e mesquinhos interesses
pecuniários, têm o dever de ser autênticos centros de espiritualidade.
Ambientes que, a partir de projetos e celebrações, capacitem as pessoas para o
viver. Juntos, de mãos dadas, que todos se empenhem na prevenção do suicídio,
buscando enfrentar tudo o que está contramão da vida.
Por Dom
Walmor Oliveira de Azevedo – Arcebispo Metropolitano de Belo Horizonte
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