Ao
final da celebração das Vésperas na Igreja São Gregório al Celio, o Papa
Francisco e o Primaz da Igreja da Inglaterra, o Arcebispo de Cantuária Justin
Welby, assinaram uma Declaração Comum.
Eis a íntegra do texto:
“Há cinquenta anos os nossos predecessores, Papa Paulo VI e o
Arcebispo Michael Ramsey, encontraram-se nesta cidade, tornada sagrada pelo
ministério e pelo sangue dos Apóstolos Pedro e Paulo. Mais tarde, João Paulo II
e os Arcebispos Robert Runcie e George Carey, o Papa Bento XVI e o Arcebispo
Rowan Williams, rezaram juntos nesta Igreja de São Gregório al Celio, de onde o
Papa Gregório enviou Agostinho para evangelizar os povos anglo-saxões. Em
peregrinação ao túmulo destes Apóstolos e Santos Padres, Católicos e Anglicanos
se reconhecem herdeiros do tesouro do Evangelho de Jesus Cristo e do chamado
para compartilhá-lo com todo o mundo.
Recebemos a Boa Nova de Jesus Cristo por meio das vidas santas
de homens e mulheres, que pregaram o Evangelho em palavras e obras, e fomos
encarregados, e animados pelo Espírito Santo, para sermos testemunhas de Cristo
“até os confins do mundo” (At 1,8). Estamos unidos na convicção de que “os
confins da terra” hoje não representam somente uma expressão geográfica, mas um
chamado a levar a mensagem salvífica do Evangelho, em modo particular àqueles
que estão à margem e na periferia das nossas sociedades.
Em seu histórico encontro de 1996, o Papa Paulo VI e o Arcebispo
Ramsey, instituíram a Comissão Internacional anglicano-católica com o objetivo
de perseguir um sério diálogo teológico que, “alicerçado nos Evangelhos e nas
antigas tradições comuns, conduza à unidade na Verdade pela qual Cristo rezou”.
Cinquenta anos mais tarde, damos graças pelos resultados da
Comissão Internacional anglicano-católica, que examinou doutrinas que criaram
divisões ao longo da história, a partir de uma nova perspectiva de mútuo
respeito e caridade. Hoje somos agradecidos em particular pelos documentos do
ARCIC II, que examinaremos, e aguardamos as conclusões do ARCIC III, que está
procurando avançar nas novas situações e nos novos desafios para a nossa
unidade.
Há cinquenta anos os nossos predecessores reconheceram os
“sérios obstáculos” que impediam o caminho do restabelecimento de uma partilha
completa da fé e da vida sacramental entre nós. Não obstante isto, na
fidelidade à oração do Senhor para que os seus discípulos sejam um só, não se
desencorajaram em iniciar o caminho, mesmo sem saber quais passos poderiam ser
dados ao longo da estrada. Grande progresso foi realizado em muitos âmbitos que
nos mantiveram distantes. Todavia, novas circunstância trouxeram novos
desacordos entre nós, particularmente em relação à ordenação de mulheres e das
recentes questões relativas à sexualidade humana. Por detrás destas
divergências, permanece uma perene questão sobre o modo de exercício da
autoridade na comunidade cristã . Estes são alguns aspectos que constituem
sérios obstáculos à nossa plena unidade. Assim como com os nossos
predecessores, também nós não vemos ainda soluções para os obstáculos diante de
nós, mas não estamos desencorajados. Com confiança e alegria no Espírito Santo
confiamos que o diálogo e o mútuo empenho tornarão mais profunda a nossa
compreensão e nos ajudarão a discernir a vontade de Cristo para a sua Igreja.
Estamos confiantes na graça de Deus e na Providência, sabendo que o Espírito
Santo abrirá novas portas e nos encaminhará para toda a verdade (cfr João
16,13).
As divergências mencionadas não podem nos impedir de nos
reconhecermos reciprocamente irmãos e irmãs em Cristo em razão do nosso comum
Batismo. Também nunca deveríamos abster-nos de descobrir e de alegrarmo-nos na
profunda fé cristã e na santidade que encontramos nas tradições dos outros.
Estas divergências não devem levar-nos a diminuir os nossos esforços
ecumênicos. A oração de Cristo durante a Última Ceia para que todos sejam um
(João 17, 20-23) é um imperativo para os seus discípulos hoje, como o foi
então, no momento iminente da sua paixão, morte e ressurreição e o consequente
nascimento da sua Igreja. Nem sequer as nossas divergências deveriam impedir a
nossa oração comum: não somente podemos rezar juntos, mas devemos rezar juntos,
dando voz à fé e à alegria que compartilhamos no Evangelho de Cristo, nas
antigas Profissões de Fé e no poder do amor de Deus, feito presente pelo
Espírito Santo, para superar todo pecado e divisão. Assim, com os nossos
predecessores, exortamos o nosso clero e os fieis a não negligenciar ou
subestimar esta comunhão, que mesmo sendo imperfeita, já compartilhamos.
Mais amplas e profundas do que as nossas divergências são a fé
que compartilhamos e a nossa alegria comum no Evangelho. Cristo rezou para que
os seus discípulos possam ser todos um, “para que o mundo creia” (João 17,21).
O vivo desejo de unidade que nós experimentamos nesta Declaração Comum está
intimamente ligado ao desejo compartilhado de que homens e mulheres cheguem a
acreditar que Deus enviou o seu Filho, Jesus, ao mundo, para salvá-lo do mal
que oprime e enfraquece toda a criação. Jesus deu a sua vida por amor e
ressuscitando dos mortos venceu até mesmo a morte. Os cristãos, que abraçaram
esta fé, encontraram Jesus e a vitória de seu amor em suas próprias vidas, e
são levados a compartilhar com os outros a alegria desta Boa Nova. A nossa capacidade
de nos reunir no louvor e na oração a Deus e de testemunhar ao mundo, se apoia
na confiança de que compartilhamos uma fé comum e em medida substancial um
acordo na fé.
O mundo deve nos ver testemunhar, no nosso trabalhar juntos,
esta fé comum em Jesus. Podemos e devemos trabalhar juntos para proteger e
preservar a nossa casa comum: vivendo, instruindo e agindo de forma a favorecer
um rápido fim da destruição ambiental, que ofende o Criador e degrada as suas
criaturas, e gerando modelos de comportamento individuais e sociais que
promovam um desenvolvimento sustentável e integral para o bem de todos.
Podemos, e devemos, estar unidos na causa comum de apoiar e defender a
dignidade de todos os homens. A pessoa humana é rebaixada pelo pecado pessoal e
social. Em uma cultura da indiferença, muros de afastamento nos isolam dos
outros, das suas lutas e dos seus sofrimentos, que também muitos nossos irmãos
e irmãs em Cristo sofrem atualmente. Em uma cultura do descarte, as vidas mais
vulneráveis na sociedade são frequentemente marginalizadas e descartadas. Em
uma cultura do ódio, assistimos a indizíveis atos de violência, seguidamente
justificados por uma compreensão distorcida do credo religioso. A nossa fé
cristã nos leva a reconhecer o inestimável valor de toda vida humana e a
honrá-la por meio de obras de misericórdia, oferecendo educação, cuidado à
saúde, alimento, água limpa e abrigo, sempre buscando resolver os conflitos e
construir a paz. Enquanto discípulos de Cristo, consideramos a pessoa humana
sagrada e enquanto apóstolos de Cristo devemos ser os seus advogados.
Há cinquenta anos o Papa Paulo VI e o Arcebispo Ramsey
inspiraram-se nas palavras do Apóstolo: “esquecendo-me das coisas que atrás
ficam, e avançando para as que estão diante de mim, prossigo para o alvo, pelo
prêmio da soberana vocação de Deus em Cristo Jesus” (Filipenses 3,13-14). Hoje,
“aquilo que está para trás” – dolorosos séculos de separação – foi parcialmente
curado por cinquenta anos de amizade. Damos graças pelos cinquenta anos do Centro
Anglicano em Roma, destinado a ser um local de encontro e de amizade. Nos
tornamos amigos e companheiros de viagem no peregrinar, enfrentando as mesmas
dificuldades e fortalecendo-nos reciprocamente, aprendendo a apreciar os dons
que Deus deu ao outro e a recebê-los como próprios, com humildade e gratidão.
Estamos impacientes em progredir para poder estar plenamente
unidos em proclamar a todos, nas palavras e nos fatos, o Evangelho salvífico e
curador de Cristo. Por isto recebemos grande encorajamento do encontro deste
dias entre tantos Pastores católicos e anglicanos da Comissão internacional
Anglicano-católica para a Unidade e a Missão (IARCCUM), os quais, com base
naquilo que lhes é comum e que gerações de estudiosos do ARCIC cuidadosamente
trouxeram à luz, estão vivamente desejosos em prosseguir na missão de colaborar
e no testemunho até “os confins da terra”. Hoje nos alegramos em encarregá-los
e em enviá-los em frente, dois em dois, como o Senhor enviou os setenta e dois
discípulos. Que a sua missão ecumênica em direção àqueles que se encontram à
margem da sociedade, seja um testemunho para todos nós, e deste lugar sagrado,
como a Boa Nova há tantos séculos, saia a mensagem de que católicos e
anglicanos trabalham juntos para dar voz à fé comum no Senhor Jesus Cristo,
para levar alívio no sofrimento, paz onde existe conflito, dignidade onde
negada e pisada.
Nesta Igreja de São Gregório Magno, invocamos ardentemente a
bênção da Santíssima Trindade sobre o prosseguimento da obra da ARCIC e do
IARCCUM, e sobre todos aqueles que rezam e contribuem para o restabelecimento
da unidade entre nós.
Roma, 5 outubro de 2016.
SUA SANTIDADE FRANCISCO
SUA GRAÇA JUSTIN WELBY
Por
Rádio Vaticano
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