O
tema da redação do último ENEM, “Caminhos para combater a intolerância
religiosa no Brasil”, despertou a curiosidade de muitos sobre o tema. Por isso,
consideramos importante fazer algumas reflexões sobre o assunto.
Antes de tudo, é necessário entender o que é
intolerância religiosa. Esta é uma atitude mental que não reconhece e nem
respeita as diferenças ou crenças religiosas de terceiros. Pode-se constituir
uma intolerância ideológica ou política, sendo que, ambas têm sido comuns
através da história.
O que a
Igreja Católica ensina sobre a intolerância religiosa?
A Igreja defende a liberdade religiosa, a liberdade
de consciência e a liberdade de expressão, como está na Constituição Federal;
com respeito às pessoas que têm uma crença diferente da fé católica.
O Concílio Vaticano II (1965) emitiu a Declaração
“DIGNITATES HUMANAE” (DH) sobre a liberdade religiosa, onde declara desde o
início que: “A pessoa humana tem direito à liberdade religiosa. Consiste tal
liberdade no seguinte: os homens todos devem ser imunes da coração tanto por
parte de pessoas particulares quanto de grupos sociais e de qualquer poder
humano, de tal sorte quem em assuntos religiosos ninguém seja obrigado a agir
contra a própria consciência, nem se implica de agir de acordo com ela, em particular
e em público, só ou associado a outrem, dentro dos devidos limites”
(n.2).
Cada um pode expor “as razões da sua esperança” (1
Pe 3,15) sem que a intenção seja a de ofender a fé ou as pessoas que creem
diferente. Cada um tem o direito de defender que a sua fé “seja a verdadeira”,
o que implica discordar das outras. E isso não deve ser considerado ofensivo. E
cada um fique com a religião que deseja, sem se ofender. Uma coisa é defender
ideias e crenças, outra coisa é atacar ou perseguir e prejudicar pessoas que
creem diferente, isso não deve acontecer.
“Em matéria religiosa, diz o Catecismo, ninguém seja
obrigado a agir contra a própria consciência, nem impedido de agir, dentro dos
justos limites, de acordo com ela, em particular ou em público, só ou associado
a outrem.” Por isso, este direito “continua a existir ainda para aqueles que
não satisfazem à obrigação de procurar a verdade e de aderir a ela”. (§ 2106)
O mesmo Concílio afirmou a defesa da fé da Igreja,
dizendo que: “É nossa fé que essa única verdadeira Religião se encontra na
Igreja católica e apostólica, a quem o Senhor Jesus confiou a tarefa de
difundi-la aos homens todos, quando disse aos Apóstolos: “Ide pois e ensinai os
povos todos, batizando-os em nome do Pai e do Filho e do Espírito Santo,
ensinando-lhes a guardar tudo quanto vos mandei” (Mt 28, 19-20). (DH, n.1).
Evidentemente, muitos não aceitam isso, e devem ser respeitados, mas a Igreja
tem o direito e o dever de expor isso, por ordem de Cristo.
A Igreja sabe que no passado longínquo, muitos de
seus filhos erraram, como por exemplo, o imperador Carlos Magno (†814), que,
dentro dos limites da cultura da época de todos os povos, impôs a fé católica e
o batismo aos anglo-saxões, com violência. Nesta época não havia a mínima noção
e cultura de liberdade religiosa, e cada rei impunha a sua crença.
Por outro lado, ensina que: “O direito à liberdade
religiosa não pode ser em si ilimitado, nem limitado apenas por uma “ordem
pública” entendida de maneira positivista ou naturalista. Os “justos limites”
que lhe são inerentes devem ser determinados para cada situação social pela
prudência política, segundo as exigências do bem comum, e ratificados pela
autoridade civil segundo normas jurídicas, de acordo com a ordem moral
objetiva”. (CIC,§ 2109)
A Igreja defende o ensino religioso nas escolas
porque a grande maioria da população brasileira é cristã (86%); então, que cada
um tenha o direito de receber a formação religiosa nas escolas, de acordo com a
fé dos pais.
Enfim, cada pessoa pode e deve expor as razões de
sua fé, com as bases filosóficas e teológicas consistentes, respeitando a fé
dos outros, sem querer impô-la aos demais com meios chantagiosos e
proselitistas, e menos ainda, violentos. Para nós católicos a fé verdadeira é a
que Jesus deixou com os Apóstolos e com a Igreja para ser ensinada no mundo
todo. Então, por obediência ao Mestre, cada católico é obrigado a isto, mas sem
imposição. A Igreja defende, portanto, o direito e o dever de cada filho seu
ensinar o que Cristo determinou e que a Igreja, assistida pelo Espírito Santo,
ministra.
O
laicismo e a laicidade
Há uma forte intolerância religiosa no Brasil também
contra os cristãos. Segundo o IBGE, 86% da população é cristã, 65% católica.
Ora, quando se vê um laicismo anticristão crescente no país, isto é prova
inequívoca de intolerância religiosa com a maioria da população.
O Estado deve ser laico, isto é, não professar uma
religião, ou igreja concreta, mas deve garantir o respeito pela liberdade
privada e pública dos cultos das diversas religiões, desde que não atentem
contra as leis, a ordem e a moralidade pública.
Mas o Estado não pode ser laicista, isto é, se guiar
por uma “ideologia” que pretende ser a “única verdade” racional, e que queira
proibir a vivência da fé do povo. O Estado é laico, mas o povo é religioso, tem
direito a professar a sua fé. O Estado existe para o povo e não o contrário.
O laicismo é hoje um “dogmatismo” que deseja se
impor, e até mesmo usa setores da mídia, para destruir, sem respeito pelo
diálogo, as ideias ou posições religiosas. Na verdade o laicismo-militante é
como uma pseudo-religião materialista e totalitário. Quer o mundo livre de vida
espiritual, como se isso fosse o mal absoluto. Se esquecem que
a história do racionalismo iluminista derramou muito sangue, como na Revolução
Francesa, por exemplo, que em 1789, em nome da “igualdade, fraternidade e
liberdade”, desembocou no terror da guilhotina. A segunda Guerra Mundial não
foi motivada por princípios religiosos; o holocausto do povo judeu, teve alguns
de seus pré-requisitos na filosofia da morte de Deus, de Nietzsche. Não foi a
religião que criou o horror do Arquipélago Gulag do stalinismo, e matou cem
milhões de pessoas no mundo todo com o comunismo.
A retirada dos símbolos religiosos cristãos é outra
mostra de intolerância. Vivemos esse empasse há pouco tempo no Brasil. Carlos
Brickmann, jornalista, defendendo a manutenção dos crucifixos no Poder
Judiciário do Rio Grande do Sul, fez um comentário interessante, disse:
“Há religiões;
também há a tradição, há também a história. A Inglaterra é um estado onde há
plena liberdade religiosa e a rainha é a chefe da Igreja. A Suécia tem plena
liberdade religiosa e uma igreja oficial, a Luterana Sueca. A bandeira de nove
países europeus onde há plena liberdade religiosa exibe a cruz. O Brasil tem
formação cristã; a tradição do país é cristã. Mexer com cruzes e crucifixos vai
contra esta formação, vai contra a tradição. A propósito, este colunista não é
religioso; e é judeu, não cristão. Mas vive numa cidade que tem nome de santo,
fundada por padres, numa região em que boa parte das cidades tem nomes de
santos, num país que já foi a Terra de Santa Cruz. Será que não há nada mais a
fazer no Brasil exceto combater símbolos religiosos e tradicionais?
“Será que teremos de
mudar o nome de alguns Estados e cidades como Natal, Belém, São Luís e tantas
outras. E declarar que a Constituição do País, promulgada ‘sob a proteção de
Deus’, é inconstitucional. São Paulo, cidade cosmopolita e multicultural, tem
linhas do Metrô com nome religiosos: Conceição, São Judas, Saúde, Santa Cruz,
Paraíso, São Joaquim, Sé, São Bento, Luz, Santana. Vamos o mudar o nome de
todas elas, como a Revolução francesa fez na França, por um tempo?
“Na Justiça, há
vários símbolos como a balança e a moça de olhos vendados. A balança, de
antigas religiões caldeias, simboliza a equivalência entre crime e castigo. A
moça, Themis, uma titã grega, sempre ao lado de Zeus, o maior dos deuses.
Personifica a Ordem e o Direito. Como ambos os símbolos são religiosos,
deveriam desaparecer também, como o crucifixo?”
Enfim, tendo em vista tudo o que foi exposto acima,
podemos notar que na verdade há também uma grande intolerância religiosa contra
a maioria da população do Brasil que é cristã, e que percebe que seus valores
cristãos sofrem a cada dia mais uma verdadeira erosão, especialmente por meio
de uma mídia que já não se pauta, em sua maioria, por esses valores.
Prof.
Felipe Aquino
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